De um campo de refugiados na Itália, a
mestra da dança
revela o verdadeiro significado da palavra determinação
Mestra da dança contemporânea, Eva Schul
Foto: Beatriz Ferreira/ Ateliê SPCD
Ana Cláudia Mattos
Especial de Campos do Jordão
Final de tarde do último dia 30 de
outubro: a van que levava os mestres da dança convidados para o 3º Ateliê
Internacional São Paulo Companhia de Dança, em Campos do Jordão, estacionou em
frente ao meu prédio. Entrei e dei uma olhada geral: um pouco atrás, à janela, uma
jovem senhora prestes a completar 70 anos de idade (aparenta bem menos), cabelos curtos e ruivos, olhos verdes e pela clara. Pensei: “essa deve
ser brava”.
Não precisou de 24 horas para que eu
percebesse que errei feio: a aparente braveza nada mais é do que uma discreta
elegância de quem tem segurança na fala e uma invejável determinação. Eva
Schul, bailarina que reinventou a dança moderna e contemporânea no sul do
Brasil, nasceu em um campo de refugiados na Itália, no pós-Segunda Guerra,
quando os pais, judeus húngaros, tinham saído de campos de concentração fugidos
da perseguição nazista.
Amor pela dança - Aos três anos de idade, imigrou para Uruguai,
sua primeira parada. Já aos noves anos, chegou ao Brasil para descobrir o seu
amor pela dança. “Formei no balé aos 16 anos e fiz audição para o New York City
Ballet (EUA), passei e entrei como bailarina estagiária”.
Eva conta que se dividia entre a
escola de dança e companhia: “Nessa época no Brasil, apesar de aprender a
dançar, a gente aprendia errado muitos nomes dos passos", diz.
Processos coreográficos no auditório Claudio Santoro
Foto: Edison Araya (bailarino e fotógrafo/ Ateliê SPCD)
Foi um ano dançando com o coreógrafo
russo George Balanchine: “Mas ainda não era o que eu imaginava, queria algum
veículo de expressão, queria falar com a minha dança”, ressalta a nossa mestra
da dança.
Ela então retornou ao Brasil, entrou
para a faculdade, casou e teve um filho. “Foi então que fui atrás de uma dança
que eu tinha conhecido no primeiro congresso de dança no Brasil, que era a tal
da dança moderna, ainda poucos faziam no Brasil, éramos expoentes, como Maria Duschenes e Renée Gumiel.”
Eva viajou para Uruguai e de lá para
Argentina, onde passou alguns anos estudando Martha Graham com grandes nomes da dança da época.
Voltou para o Brasil e criou um grupo de dança de estudos e pesquisas.
Nas
férias, viajou aos Estados Unidos para um curso com o coreógrafo Alwin Nikolais: “Foi quando eu descobri a improvisação e a
composição”, conta. Logo depois, mudou novamente para os Estados Unidos, onde permaneceu
ao longo de sete anos. Nos anos 60, começava a surgir a dança pós-moderna.
Durante as férias, ministrava workshops no Balé Teatro
Guaíra, no Paraná. “A primeira vez passei um mês, depois seis meses, um ano,
ate que vi que não tinha mais volta para os Estados Unidos”, diz Eva.
A mestra da dança, então, introduziu a dança contemporânea no
Balé Guaíra e ajudou a criar a Faculdade de Dança no Paraná. “Para dar a
oportunidade para as pessoas de aprofundarem na dança, não só clássica como
contemporânea.”
Em Porto Alegre - Mais tarde, Eva retornou a Porto
Alegre com uma nova missão: ajudar a criar uma Faculdade de Dança. Ali ficou:
há 25 anos dirige a Ânima Cia de Dança, atuando também como coreógrafa da Cia.
Municipal e professora do Grupo Experimental da Prefeitura de Porto Alegre.
Toda essa emoção foi vivenciada pelos estudantes e plateia do
3º Ateliê Internacional SPCD, com a coreografia Passion Patrona. Um presente!
Eva Schul, muitos ensinamentos aos jovens bailarinos
Foto: Lívia Ribeiro/ Ateliê SPCD
Aos jovens bailarinos, Eva deixa o recado: “em primeiro lugar,
pense bem no que realmente quer, faça escolhas. A dança é uma arte que exige
sacrifícios, é preciso muito amor e consciência do que quer para chegar a algum
lugar”, diz. “A ‘velha guarda’ era assim: quando a gente queria realmente
alguma coisa, a gente conseguia porque se jogava”, finaliza.
Desliguei o gravador,
mas o papo continuou: “Sabia que já fui hippie, criamos a segunda comunidade
hippie do Brasil”, diz a mestra da dança. Eu: “nossa, deve ter sido uma hippie
superelegante!”. Risos... Muito obrigada, Eva Schul!